Porque a educação sobre a fertilidade deveria começar na escola
Entrevista
07 Nov 2025
Compreender a fertilidade começa com a educação
De 3 a 9 de novembro, a Semana Europeia da Fertilidade (EFW) 2025 chama a atenção para um tema que continua a receber pouca visibilidade: a educação para a fertilidade. Sob o mote “Informação para todos: educação e informação”, a campanha deste ano apela à informação mais acessível, rigorosa e inclusiva, sobre a fertilidade.
Na Procriar, acreditamos que a educação é a base para tomar decisões informadas. No entanto, em grande parte da Europa, a maioria das pessoas termina a escola com poucos conhecimentos sobre a sua fertilidade: como muda com a idade, de que forma doenças como a SOP ou a endometriose a afetam, ou até o que realmente é um ciclo menstrual saudável.
São conhecimentos essenciais que podem influenciar as escolhas, as relações e o bem-estar ao longo da vida.
Para muitas pessoas, o primeiro contacto com o tema da fertilidade acontece apenas quando começam a tentar engravidar, muitas vezes, anos, ou mesmo décadas, depois de concluírem a escolaridade. Nos sistemas educativos, o assunto é normalmente abordado de forma breve e, quase sempre, integrado nas aulas sobre contraceção ou puberdade.
O foco tende a estar em evitar uma gravidez e não em compreender a saúde reprodutiva como algo que deve ser acompanhado e cuidado ao longo da vida.
Esta abordagem limitada deixa muitos jovens sem preparação para a realidade da fertilidade.
Nas mulheres, esta falta de conhecimento pode levar a diagnósticos tardios de condições como a endometriose ou a síndrome do ovário poliquístico (SOP), que, quando não tratadas, podem ter impacto na fertilidade.
Porque é importante começar cedo a educar sobre a fertilidade
Ensinar o tema da fertilidade como parte de uma educação sexual abrangente ajuda as pessoas a tomarem decisões mais informadas sobre o seu corpo e o seu futuro. Promove a responsabilidade, reduz o estigma e fomenta a igualdade, ao reconhecer que a fertilidade não é apenas uma questão feminina, mas uma experiência humana partilhada.
Entrevista com a Dra. Sofia Costa sobre a fertilidade na Europa
Falámos com a Dra. Sofia Costa, ginecologista e obstetra na Procriar, para perceber porque é que a educação para a fertilidade é tão importante, o que os jovens devem aprender e como a sensibilização precoce pode mudar vidas.
Quão grande é o problema da infertilidade na Europa atualmente, e considera que a falta de educação para a fertilidade contribui para isso?
A infertilidade é hoje reconhecida como um problema relevante de saúde pública. A Organização Mundial da Saúde estima que 1 em cada 6 adultos enfrente dificuldades em engravidar ao longo da vida — uma prevalência semelhante à observada na Europa.
Em Portugal, embora faltem inquéritos populacionais específicos, a taxa de fecundidade mantém-se baixa (1,40 filhos por mulher em 2024) e a idade média ao primeiro filho ultrapassa os 30 anos, fatores que reduzem naturalmente a probabilidade de conceção espontânea e aumentam a necessidade de recurso à Procriação Medicamente Assistida (PMA).
A eficácia das técnicas de PMA, contudo, diminui progressivamente com o aumento da idade materna.
A falta de educação em fertilidade é um fator agravante. Muitas pessoas desconhecem o impacto da idade, das infeções sexualmente transmissíveis (IST), do excesso ou défice ponderal, do stress, do tabagismo e de outros hábitos de vida sobre a fertilidade.
A literacia reprodutiva insuficiente leva a decisões tardias e a expectativas irrealistas sobre o papel da medicina reprodutiva, que não pode compensar plenamente o declínio natural da fertilidade.
Em Portugal, a Educação Sexual em Meio Escolar é obrigatória (Lei n.º 60/2009 e Portaria n.º 196-A/2010), mas a implementação continua irregular.
Faltam tempo letivo, formação dos docentes e monitorização, o que enfraquece o impacto preventivo na saúde sexual e reprodutiva, incluindo na literacia sobre fertilidade.
Porque é que a educação sobre fertilidade fica tantas vezes de fora dos currículos escolares, mesmo quando se fala de saúde sexual?
Apesar do enquadramento legal, a educação sexual escolar tende a centrar-se na prevenção de IST, na contraceção, deixando de lado a fertilidade.
Esta lacuna resulta, em parte, da perceção de que o tema “pertence à idade adulta”, e também do desconforto ou falta de formação específica de alguns docentes. A ausência de avaliação e a pressão curricular reforçam esta omissão.
O resultado é uma geração informada sobre como evitar uma gravidez, mas pouco consciente de como proteger a sua fertilidade ou de como os estilos de vida e a idade influenciam a saúde reprodutiva.
Quais são os equívocos mais comuns sobre como a fertilidade muda com a idade?
Os equívocos são frequentes, mesmo entre pessoas informadas.
Muitos acreditam que a fertilidade feminina “cai subitamente aos 35 anos”. Na realidade, o declínio é progressivo a partir dos 30, acelera após os 35 e torna-se acentuado depois dos 40 anos.
A probabilidade de conceção é cerca de metade, aos 40 anos, em comparação com mulheres na casa dos 20. O risco de aneuploidias e aborto espontâneo também aumenta com a idade.
Outro mito é o de que a idade masculina não influencia — mas há evidência de que, a partir dos 40–45 anos, ocorre uma redução da qualidade espermática e um aumento de mutações genéticas.
Também é incorreto pensar que o uso prolongado da pílula “estraga” a fertilidade; este apenas mascara eventuais distúrbios ovulatórios já existentes.
Por fim, é comum sobrevalorizar o poder da PMA: mesmo com avanços tecnológicos, as taxas de sucesso diminuem com a idade, diminuindo de cerca de 35% antes dos 35 anos para menos de 10% após os 40.
A partir de que idade se deve ensinar fertilidade e saúde reprodutiva, e o que deve essa educação incluir?
A educação para a fertilidade deve começar de forma gradual e adaptada à idade.
No 1.º ciclo, podem abordar-se conceitos básicos de o corpo e a puberdade; nos 2.º e 3.º ciclos, deve incluir-se o ciclo menstrual, a ovulação, o período fértil e os fatores que afetam a fertilidade;no ensino secundário, os temas devem alargar-se ao impacto da idade, às IST, à preservação da fertilidade, à parentalidade responsável e aos estilos de vida (tabaco, álcool, nutrição, sono, stress) e o seu impacto na fertilidade.
Esta abordagem está alinhada com as orientações da UNESCO e da OMS sobre Educação Sexual Abrangente.
Mais do que acrescentar informação, importa integrar a fertilidade na literacia em saúde, capacitando os jovens para escolhas conscientes ao longo da vida reprodutiva.
De que forma uma melhor literacia em fertilidade ajuda as pessoas a fazer escolhas informadas?
Compreender como a fertilidade funciona permite decisões mais realistas e autónomas.
Saber identificar o período fértil, reconhecer sinais de disfunção e compreender o impacto da idade ou de hábitos nocivos ajuda a planear o futuro reprodutivo com liberdade e responsabilidade.
A literacia em fertilidade também promove comportamentos saudáveis — parar de fumar, controlar o peso, reduzir o consumo de álcool e cafeína, gerir o stress e dormir bem — fatores que influenciam positivamente a fertilidade.
Em suma, educar sobre fertilidade é educar para a autonomia corporal e para a saúde global.
As conversas sobre fertilidade devem incluir também os homens e a sua saúde reprodutiva?
Sim, de forma inequívoca. O fator masculino contribui para 40–50% dos casos de infertilidade.
A idade, o tabagismo, a obesidade, o consumo excessivo de álcool, o stress crónico e a exposição a calor ou substâncias químicas reduzem a qualidade espermática.
Segundo a ASRM, períodos longos de abstinência (>5 dias) podem diminuir a contagem de espermatozoides, enquanto relações sexuais a cada 1–2 dias durante a período fértil maximizam as probabilidades de conceção.
A saúde reprodutiva masculina permanece subvalorizada. É essencial normalizar o tema, incluindo-o na educação e nas consultas de planeamento familiar, incentivando o rastreio e a preservação da fertilidade quando necessário.
Quais são os principais fatores de risco que afetam a fertilidade e que a maioria das pessoas desconhece?
Além da idade e das IST, vários fatores passam despercebidos:
Obesidade e sedentarismo — afetam o equilíbrio hormonal e comprometem a ovulação e a qualidade espermática;
Exposição a disruptores endócrinos (ftalatos, bisfenol A, pesticidas, poluentes atmosféricos) — interferem com a função hormonal e gametogénese;
Sono insuficiente e trabalho por turnos — perturbam ritmos hormonais;
Stress crónico — altera o ciclo menstrual e a qualidade do sémen;
Tabaco, álcool e canábis — reduzem a fecundabilidade e aumentam o risco de aborto;
Dieta desequilibrada — consumo excessivo de gorduras e alimentos processados prejudica a fertilidade.
A ASRM destaca que não há uma dieta “milagrosa”, mas padrões como a dieta mediterrânica — rica em vegetais, peixe, azeite e cereais integrais — estão associados a melhores taxas de conceção e gravidez.
Como é que o aconselhamento ou o rastreio precoce de fertilidade podem mudar o desfecho de quem terá dificuldade em engravidar?
As consultas pré-concecionais e de planeamento familiar são oportunidades privilegiadas para otimizar a saúde reprodutiva.
Devem ir além da contraceção e incluir:
revisão de doenças crónicas e medicação;
suplementação (ácido fólico, vitamina D, iodo);
avaliação de fatores de estilo de vida (peso, tabaco, álcool, sono, stress);
e educação sobre fertilidade e idade reprodutiva.
O rastreio precoce permite identificar condições como anovulação, endometriose, varicocelo ou infeções subclínicas e iniciar tratamento atempadamente.
A orientações nacionais e internacionais, recomendam a avaliação especializada após 12 meses de tentativas infrutíferas (ou 6 meses em mulheres ≥35 anos), reduzindo o tempo até à conceção e o desgaste emocional do casal.
Que papel devem ter os sistemas de saúde e os governos na melhoria da educação para a fertilidade na Europa?
Os governos devem garantir que a Educação Sexual e Reprodutiva aborde não apenas a prevenção da gravidez e das IST, mas também a fertilidade, a sua preservação, o planeamento familiar e o papel do elemento masculino na conceção.
Nos sistemas de saúde, é fundamental redefinir as consultas de planeamento familiar como consultas de saúde reprodutiva global para mulheres e homens, com foco em literacia, prevenção e diagnóstico precoce.
Campanhas públicas de literacia, formação de profissionais de saúde, monitorização de indicadores e financiamento adequado são igualmente essenciais.
A integração entre educação escolar, informação pública e aconselhamento precoce pode reduzir a prevalência de infertilidade e promover escolhas mais conscientes e equitativas.
Se pudesse mudar uma coisa na forma como a sociedade fala de fertilidade e saúde reprodutiva, qual seria?
Mudaria a narrativa de que a fertilidade é “um problema das mulheres” ou algo que “a medicina resolverá quando chegar a hora”.
A fertilidade é uma dimensão partilhada da saúde, que deve ser compreendida, protegida e planeada ao longo da vida.
Precisamos falar de fertilidade com naturalidade, informação e inclusão — desde a escola até às campanhas públicas — e envolver ativamente os homens no processo.
Só assim deixaremos de ver a fertilidade como tabu e passaremos a encará-la como parte essencial da literacia em saúde e da autonomia reprodutiva
Considerações finais
A Semana Europeia da Fertilidade recorda-nos de que o conhecimento pode mudar vidas. Como destaca a Dra. Sofia Costa, a educação para a fertilidade não deve começar apenas quando alguém decide ter um filho, deve começar muito antes, como parte da aprendizagem sobre o nosso corpo e a nossa saúde. Quando compreendemos como a fertilidade funciona, conseguimos fazer escolhas mais acertadas, no momento certo.
Na Procriar, acreditamos que a informação gera confiança. Ao partilhar conhecimento aberto, honesto e acessível, ajudamos mais pessoas a sentirem-se informadas, apoiadas e no controlo da sua saúde reprodutiva.
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